domingo, 6 de setembro de 2020

Dívida, Perdão, Gratuitidade - Em que ficamos?



Falamos de Dívida quando realizamos uma espécie de enxertia. Uma dívida mais não é que a inclusão do trabalho dos outros no nosso próprio trabalho. De um modo lato, definimos como Trabalho todo o esforço realizado na transformação do meio envolvente. Assim, quando precisamos de crédito, no fundo estamos a pedir a ajuda dos outros.
No entanto, esta ajuda não é gratuita – caso contrário, os outros (os credores) estariam a dizer que o trabalho emprestado seria um trabalho sem valor, logo inútil. E, para a maioria de nós, o trabalho reflecte (muito) esforço. Assim, a dívida de hoje tem de ser paga amanhã.
Uma boa dívida segue uma regra de ouro já conhecida na Antiguidade. O trabalho que fazemos amanhã deve ser suficiente para pagar o trabalho que outros nos emprestaram hoje. Assim, uma boa dívida é aquela que nos faz trabalhar mais. Pelo contrário, uma má dívida é aquela que fez com que um conjunto acumulado de trabalho emprestado fosse perdido. Assim, para que uma dívida seja considerada boa, o trabalho final (nosso e dos outros, hoje e amanhã) deve ser maior com dívida do que o trabalho final (nosso e dos outros, hoje e amanhã) sem a dívida.
Desta forma, confirmamos que a dívida faz parte do capital social. Assim como o perdão ou a dádiva (vejam O Espírito da Dádiva, de Godbout). Existe racionalidade nalguns casos de “perdão da dívida” como já foi o caso de países africanos e sul-americanos. Nesses casos, os credores renegociaram os termos de amortização da dívida porque perceberam que seria melhor fazerem esta redefinição (“perdão”) do que sufocarem os países devedores (houve casos, como Moçambique, onde o país teria que trabalhar três anos só para pagar a dívida nacional, não tendo lugar a outra qualquer despesa, mesmo de subsistência). Esta é a solução preconizada por Shakespeare em O Mercador de Veneza.
Finalmente, questiona-se, onde entra a dádiva? A dádiva tem cinco motivações principais: altruísmo, egoísmo, justiça, estratégia e sobrevivência social. O indivíduo avaro no extremo não sobrevive nas nossas sociedades de “homo sapiens sapients”. Diariamente, damos. Desde o estratégico “bom dia” até donativos anónimos. Desde um beijo familiar até uma conferência científica. Como na dívida, enxertamos valores, ideias, ideais e acções nos outros. E como no perdão, redefinimos as nossas relações. No fundo, redesenhamos a nossa concepção do mundo.

Sem comentários:

Enviar um comentário