domingo, 6 de setembro de 2020

A URGÊNCIA DE UM EXCEDENTE PRIMÁRIO PARA A REDUÇÃO DA DÍVIDA





O crescimento da dívida pública tem sido esmagador. O seu impacto foi agravado por ter coincidido com a rápida expansão da dívida privada.
No final de 2012 o rácio da dívida pública era 2,4 vezes mais elevado do que no final de 1999, quando se iniciou a União Económica e Monetária. Trata-se de um substancial aumento de 72 pontos percentuais (p.p.) do PIB, dos quais 43 pontos registados até ao final de 2010. Em termos absolutos, o stock de dívida mais do que triplicou (aumento de 235% ou 143,5 mil milhões de euros), enquanto a riqueza produzida anualmente apenas aumentou 39% em termos nominais (ou 46,6 mil milhões). 
A que se ficou a dever este aumento de 143,5 mil milhões no stock de dívida entre 1999 e 2012? Os ajustamentos défice-dívida explicam ¼ desse acréscimo, mas o principal factor foi obviamente a acumulação de sucessivos défices orçamentais, que explicam ¾ do aumento. Os referidos ajustamentos correspondem a operações financeiras que têm impacto na dívida, mas não no défice (ou vice-versa). Estes têm sido particularmente relevantes para o crescimento da dívida no decurso do programa de ajustamento em razão dos apoios concedidos ao sector financeiro e do aumento de depósitos do Estado. Em 2012, a dívida líquida desses depósitos seria 10 p.p. do PIB mais baixa, sendo expectável uma redução dos depósitos para um nível normal após o retorno a pleno financiamento em mercado. Contudo, o principal factor subjacente ao aumento da dívida foi a acumulação de défices orçamentais, que totalizou 107,9 mil milhões de euros em termos acumulados. Deste montante, 61,6 mil milhões correspondem ao pagamento de juros da dívida e 46,2 mil milhões à acumulação de défices primários. O impacto do défice na dívida seria ainda mais elevado não fosse o extenso recurso a medidas extraordinárias, que permitiram reduzir o défice em mais de 20,9 mil milhões, em termos acumulados, sendo exemplos recentes as várias transferências de activos de fundos de pensões para a esfera pública (em troca das correspondentes responsabilidades futuras).
Que ilações se podem retirar para o futuro? Primeiro, existe uma imperiosa necessidade de reduzir o rácio de dívida. O contínuo aumento do "stock" de dívida implicou crescentes encargos com juros, o que por sua vez gerou mais dívida, dado que não se registaram excedentes primários. O recurso a mais endividamento para pagar os juros contribuiu para o sugestivo "efeito bola de neve". Travar o crescimento deste encargo com juros também requer que os custos das novas emissões sejam comportáveis, o que exige, entre outras condições que não dependem só dos portugueses, planos orçamentais a médio prazo exequíveis. Adicionalmente, as regras europeias obrigam a reduzir o excesso de dívida (face aos 60% do PIB) em 20 anos. Segundo, para se conseguir reduzir o rácio da dívida Portugal tem de atingir, e manter, um excedente primário significativo: a despesa pública antes do pagamento de juros tem de ser inferior à receita. De acordo com as simulações do Conselho das Finanças Públicas, divulgadas em Maio e disponíveis no Relatório n.º 3/2013, em www.cfp.pt, para se conseguir o objetivo de redução do rácio da dívida o excedente primário teria de ser permanentemente superior a 2,5% do PIB. São assim necessários pelo menos mais 4 p.p. do PIB de consolidação orçamental adicional face a 2012, atendendo a que o défice primário ajustado foi de 1,5%. O nível de dívida alcançado não permite a manutenção de défices primários, sob pena de uma trajectória explosiva. A necessidade de consolidação orçamental adicional não é opcional. É, além do mais, um factor de credibilidade indispensável para atrair o investimento capaz de promover o crescimento económico que, por seu turno, a facilitaria.
Nota: A opinião aqui expressa é a do autor, nãocoincidindo necessariamente com a do CFP.

Vogal do Conselho das Finanças Públicas | Professor Auxiliar da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

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